“O sonho encheu a noite. Extravasou pro meu dia. Encheu minha vida e é dele que eu vou viver. Porque sonho não morre” (Adélia Prado)

24 de mar. de 2013

Quando somos prejulgados...





Que sentimento é esse que nos invade quando somos julgados injustamente?...  Além da mágoa, sentimo-nos fragilizados como uma criança posta de castigo por algo que não cometeu.

A confusão começa quando alguém cria expectativas sobre nosso comportamento, e basta não correspondermos da maneira esperada, tuuudo é facilmente confundido. Passam a verbalizar nossas atitudes com base em puras especulações que não condizem com a realidade.  

Estou vivendo isso nesse momento.

O diálogo aberto é o caminho mais curto para se desfazer mal-entendidos, mas nem sempre é possível sem piorar ainda mais as coisas. É nesse ponto exato que começa meu inferno zodiacal: se estou em silêncio é indiferença, se me manifesto é para atingir... Que merda isso!!

Quando julgamos alguém sem o pleno conhecimento dos fatos, quase sempre sucumbimos ao erro, e as consequências disso é um baaaita prejuízo emocional para ambos. Se por um lado o julgador se sentiu ofendido, o julgado se sentirá injustiçado.

É fato que somos prejulgadores por natureza. Temos uma mente fantasiosa e imaginar o pior é o primeirão da lista. Um exemplo?... Quando um filho se atrasa, fatalmente mil bobagens passam pela nossa cabeça, menos o pneu furado e o celular sem bateria. É a ansiedade que nos leva a tirar conclusões apressadas sobre o que não vemos ou sabemos. Esperar pelo esclarecimento (que mais cedo ou mais tarde virá) para o ansioso está fora de cogitação. Controlar a mente é quase impossível, e ele se adianta, se precipita, vira adivinho...

Já prejulguei o comportamento de alguém e não deu outra, quebrei a cara! Hoje, travo uma luta árdua para que minhas especulações não ultrapassem o pensamento - se não puder evitá-las. Nesses momentos, camuflar minhas emoções e controlar minhas atitudes, não é nada fácil. Mas, tenho me esforçado. Tudo é preferível a magoar quem, talvez, não mereça.

Me chateia muito quando sou prejulgada por uma atitude que passa longe da intenção de ferir alguém. Seria tão mais fácil se todos parassem de tentar autenticar o irreconhecível... Pensar que nem tudo que parece é. Deduzir não é interpretar a verdade. Isso se assemelha ao crítico de arte, que sem saber o que se passou na mente do artista durante o ato de pintar, insiste em traduzir uma pintura abstrata.

‘Estuda, a frio, o coração alheio’ – diz o poema de Mário Quintana. Sem dúvida esse é um bom conselho. Tirar conclusões precipitadas ‘no calor’ dos acontecimentos é prejulgamento de certezas alheias.  

19 de mar. de 2013

Mais arte em nossa vida...




Podemos viver rodeados de arte, por que não?

Disse isso a uma pessoa e a resposta que recebi foi inesperada: ‘Aaaaa, mas a senhora pode né, é pintora...’  rs.  Ela não pegou o espírito da coisa. O que ela entendeu não foi o que eu quis dizer.

Foi para minha secretaria que toda vez tirava as peças de decoração de cima dos móveis para limpá-los, me parecia que ao recolocá-las, ela simplesmente jogava tudo para o alto e onde cair, caiu! E lá ficavam. Sem estética, sem sentido e sem ‘arte’.

Quando ela colocou minha escultura do Dom Quixote de costas, chamei-a para uma conversa séria. Perdi um tempão explicando-lhe que havia 2 maneiras de fazer as coisas: de qualquer jeito, ou ‘com arte’.

Achei que estava lhe prestando um grande favor falando de atitudes simples que deixam a casa mais bonita e delicada... Ela não entendeu nada e encerrei o papo pedindo que colocasse os objetos de volta nos mesmos lugares.  Acrescentei ainda que meu Dom Quixote não é elefante pra ficar com a bunda voltada para porta... Ok, isso eu disse só em pensamento.

Lembrei-me agora que ela disse qualquer coisa sobre ‘dom’ – palavrinha que eu não gosto e não acredito que exista. A única coisa que já nascemos sabendo é mamar, todo o resto temos que aprender. Acredito, sim, em talento e vocação, que tem mais a ver com paixão e dedicação. O talento se desenvolve quando há paixão. Pela dedicação aprendemos tudo sobre aquilo que temos paixão. É mais ou menos isso rsrs.

Porém, basta um pouquinho de traquejo para tornar tudo mais belo ao nosso redor. Por exemplo: pôr a mesa com capricho, ainda que os guardanapos sejam de papel. Colher flores silvestres naquele terreno baldio e colocá-las numa bela garrafa azul que iria para o lixo. Agrupar os porta-retratos por tamanho, procurando a melhor posição para que possam ser vistos por vários ângulos. Compor o arranjo de quadros na parede de forma harmoniosa, evitando a horrorosa escadinha. Para isso, é bom fazer ‘um ensaio’ com eles no chão. Tentar várias possibilidades antes de pendurá-los. Vale muito, ainda que nossos quadros sejam de páginas de calendários emolduradas com vidro. No meu entender tudo isso é arte.

E por falar em quadros, acho engraçado que, pelo fato de eu ser pintora, algumas pessoas pensam que tenho quadros do rodapé ao teto na minha casa. Coisa medonha, né, pois um óleo apenas já é o suficiente numa parede. Dependendo do tamanho, ‘cabe’ apenas 1 em todo o ambiente.

Quando eu era criança visitava muito uma tia que tinha uma casa bem arrumada. Enfeitava tudo com bibelôs e toalhinhas de crochê engomadas. Tinha mania de capinhas bordadas que cobriam os eletrodomésticos: capa para o bujão de gás, o liquidificador, a batedeira, o filtro de barro, o bule de café... e por aí vai, só faltou mesmo encapar a casa por fora... rs.

Certa vez, eu, muito xereta, entrei num quarto em penumbra e dei de cara com um fantasma todo branco e sem cabeça!! Saí correndo aos berros, apavorada! Minha mãe me acalmou e mostrou-me o ‘fantasma’: era só a enceradeira encapada... rsrs.

Naquela época prometi a mim mesma que minha casa seria limpa de tralhas inúteis, sem muitos fluflús. Eu acabara de decidir por uma decoração minimalista, tão em moda atualmente.

Uma casa entulhada de quinquilharias pesa e deprime. Espaços vazios no chão servem para uma boa circulação; nos móveis, servem para ‘descasar’ os olhos e valorizar o pouco que se deseja mostrar.  Caso contrário, nem saberemos para onde olhar e a decoração perde sua função, que é proporcionar beleza e aconchego. Menos é mais, sempre.

Enfim, viver com arte é uma arte que temos que aprender num exercício diário, sobretudo na nossa vida pessoal. Nem sempre é fácil, mas vale a pena tentar. Viver com arte pode significar também sermos corretos nas atitudes, leal com os amigos. Resguardar a nossa intimidade e sermos discretos no trato com os outros. Não sermos enxeridos, não meter o bedelho na vida alheia. Respeitar a individualidade de cada um. Sermos cordiais com estranhos, educados e elegantes nas mínimas coisas.

E sempre verdadeiros, naturalmente.

7 de mar. de 2013

Proposta






Se queres me conhecer
Tens que filosofar...

Tens que tocar na estrela fria
Transcendentalmente,
E, inconsequentemente,  
Deixar-se queimar...
          
Brilhos passageiros,
Luzes forasteiras
Tens que apagar.
        
Tens que caminhar pelo reflexo da lua
Sem afundar.
Dançar na corda bamba,
E no asfalto,
Se equilibrar.

Pelos jardins secretos do meu ser
Tens que navegar.
E, entre o sim e o não,
Deves aportar.
         
Tens que olhar no fundo dos meus olhos
E ver as cores que sou.
Que não sou,
Que não quero ser,
Que ainda serei,
Que ainda vou apagar...

Tens que colher gestos corriqueiros,
Risos prematuros,
Lágrimas furtivas,
Afagos ligeiros.

Tens que saber das dores,
Dos amores,
Do riso à toa,
Das vontades
E das verdades...

Das entrelinhas tens que saber.
Nos vãos,
Nas brechas,
Nos esconderijos
Do ser.

Sou calabouço de poesias esquecidas,
Mais mortas que vivas.
Por displicência,
Conveniência.

Mas, sou atrevida,
Precavida
De cartas nas mangas.
Ligeiras,
Presumidas.

Minhas frágeis certezas
São promessas perdidas
No tempo esgotado
Que não quer mais voltar...

Hoje, sou a única protagonista
Dessas noites roubadas.

Não percebestes?


-Sueli Gallacci