“O sonho encheu a noite. Extravasou pro meu dia. Encheu minha vida e é dele que eu vou viver. Porque sonho não morre” (Adélia Prado)

20 de jul. de 2010

O poema que eu gosto...



O poema que eu gosto, tem que ser aquele que a gente lê uma vez só, e nunca mais esquece.
O poema que eu gosto, é aquele que a gente decora e recita por uma vida inteira.
O poema que eu gosto, é aquele que permanece deitado dentro d’alma feito pedra atirada no fundo de um lago.
O poema que eu gosto, tem que ser simples que até uma criança entende. Tem que ser construídos com palavras fortes, porém singelas. Tem que fazer acordar as pessoas. Tem que trazer mensagens ao alcance de todos: cultos e incultos.
O poema que eu gosto, não pode ser composto em jogo de palavras avulsas, ilógicas, que não combinam, que não formam raciocínios inteligíveis, como se fossem o resultado de uma explosão numa tipografia.
O poema que eu gosto, pode falar de amor, de desamor, de alegrias e de tristesas... mas na conclusão final, que me traga algo novo, ainda impensado.
O poema que eu gosto, tem que ter alma de gente comum, que vive o mesmo dia a dia, que vêem o mundo com os mesmos olhos.
O bom poeta é aquele que sabe escrever para os outros, e não para si mesmo.
 

 Sueli Gallacci.

Extraído da entrevista com Elisa Lucinda.

Jornalista: Quais as obras essenciais para qualquer poeta?
Elisa Lucinda: Toda a obra de Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Adélia Prado e Manoel de Barros para aprender o simples.



Aviso da Lua que Menstrua
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!

(Elisa Lucinda)

13 de jul. de 2010

Dinheiro não traz felicidade



Será totalmente verdadeiro este dito popular? Será que o dinheiro é de todo ruim e não pode nos proporcionar relativa felicidade? Este é um assunto que tem dois lados da moeda.
É tudo uma questão de ponto de vista. Não sejamos hipócritas em dizer que o dinheiro não compra uma boa parcela de felicidade. Quem de nós não se sente feliz em poder pagar um bom plano de saúde? Morar com dignidade, ou proporcionar uma boa educação para os filhos?

Eu poderia citar milhares de felicidades que o dinheiro pode comprar e ainda seria pouco. A questão é qual será a nossa relação com o dinheiro para que ele nos proporcione genuína felicidade. Tudo é uma questão de caráter, sabedoria e preparo de quem o possui – e mais sabedoria ainda para aqueles que não o possuem; aqui a criatividade é fundamental.

A frase correta deveria ser: “dinheiro não é garantia de felicidade, mas... sem ele também não”.

É verdade que existem pessoas que se sentem felizes mesmo em extrema pobreza: isto já rendeu até matéria para o Globo Repórter. São pessoas que sentem uma felicidade interior na qual nem elas souberam explicar a razão. Mas, um detalhe ficou evidente: são pessoas dotadas de fé e esperança de dias melhores.

Uma coisa ninguém pode negar: todo mundo quer ser feliz, com ou sem dinheiro. Nem bem começamos a dar os primeiros passos e já começa a largada sem freio em busca da tal felicidade.

Outro dia recebi um e-mail que tratava justamente deste assunto: a busca pela felicidade. E no final, arrematava com a seguinte frase: “Não tenha medo de abrir tuas cortinas e verás flores e borboletas na transparência de um novo dia...” Lindo, não é mesmo?... Sim, mas não pude evitar um pensamento naqueles que moram em favelas e becos, que ao abrirem suas cortinas, (se é que têm uma!) verão apenas esgoto à céu aberto, e não flores e borboletas.

E por falar em “sabedoria para com o dinheiro”, lembrei-me agora deste crime bárbaro envolvendo o Bruno – goleiro do Flamengo. Creio que o país todo está se perguntando o que levou um jovem tão privilegiado, que pulou da pobreza à fortuna num piscar de olhos, a cometer um ato aterrorizante como este – um tremendo boçal o que ele é, se for realmente culpado.

A culpa é do dinheiro”, estão dizendo alguns. Será mesmo que o dinheiro é culpado por este tipo de atitude?... De maneira nenhuma! A culpa é das pessoas que não estão preparadas psicologicamente para mudanças tão radicais. Ele não soube lidar com a fama e a fortuna. Ironicamente, coisas que parecem tão boas.

O que mais me chamou a atenção quando vi os noticiários pela TV, foi quando ele, o principal suspeito de mandante do crime, estava sendo conduzido ao IML fazer exame de corpo de delito: carregava uma bíblia nas mãos. Desculpem-me, mas isto é hilário!

A bíblia, assim como o dinheiro, devem ser coisas a ocupar seus devidos lugares nas nossas vidas. A bíblia nos qualifica para uma vida melhor com seus conselhos sábios: orienta-nos, disciplina, encoraja e consola com genuína esperança. Não é, no entanto, um amuleto que nos trará sorte nas horas de apuro. Ela não vai nos salvar, ou nos safar de atos que cometemos. Ela não faz milagres. É apenas papel, e quando fica velha, jogamos fora e compramos uma nova.

Aparecer em público carregando-a como tem feito as pessoas em apuros, nem mesmo comove (lembram do casal Nardoni?)

A bíblia tão pouco é desodorante para andar debaixo do braço. Nem peça de decoração para ficar aberta no livro de Salmos na sala de estar. O único proveito que podemos tirar dela é ler, pesquisar, entender e aplicar nas nossas vidas os valiosos ensinamentos ali contidos. São conselhos úteis até para aqueles que não acreditam nela. E tem conselho pra tudo, inclusive de como lidar com o dinheiro. Eclesiastes 7:12 diz o seguinte: “ Pois a sabedoria é para proteção. Assim, como o dinheiro é para nossa proteção; mas a vantagem do conhecimento é que a própria sabedoria preserva vivo os que a possuem”.

Não é este um bom conselho?

Sim, o dinheiro é para nossa proteção e não para nossa destruição. Ele é fundamental, necessário, mas não deve ocupar o primeiro lugar na nossas vidas; não deve figurar antes da verdadeira sabedoria que vem de Deus. Se ele ocupar seu devido lugar, e se este lugar for bem calibrado com toda sabedoria adquirida, poderá sim, nos proporcionar inúmeras felicidades.

7 de jul. de 2010

De perto ninguém é normal


Quem disse esta frase foi Caetano Veloso. Acho que ele queria dizer que todo mundo tem suas esquisitices, em maior ou menor grau. Eu também tenho as minhas.

Por exemplo: Adoro chupar cana. E se for no balanço da rede na casa da minha mãe, então, é a glória! No entanto, detesto garapa.

Mas existe uma razão para esta contradição: a cana eu vou chupando devagarzinho, saboreando cada gota. A garapa é concentrada, muito doce, e tudo que é demais me enjoa.

Outro exemplo: gosto de tudo com sabor de pêssego. Quando vou ao supermercado compro gelatina, iogurte, sucos, licores, tudo com sabor pêssego. Até a água já lançaram neste sabor. Acontece que eu odeio pêssego, a fruta. Não como nem sob tortura. 

Quanto a isto, também há uma razão: a poupa da fruta me causa uma sensação estranha nos dentes. Por isso não suporto comê-la.

Como podem notar, tenho, sim, algumas esquisitices, mas para todas elas há uma razão. Refletir nas razões das coisas é outra mania que eu tenho. Muitos diriam que se trata de outra das minhas esquisitices, e pode até ser. Entretanto, buscar por respostas tem me ajudado muito e orientado a minha vida. Não aceito meias-verdades e nem meias-respostas. Estou certa que tudo que está à nossa volta tem uma razão de ser e uma razão de existir.
Posso exemplificar isto contando uma história. No fundo, é isso mesmo que eu sou: uma contadora de histórias. Histórias da minha vida, coisas que observo aqui e ali, que dizem as pessoas, que podem ser boas ou não. Eu ouço, filtro, experimento, tiro proveito ou descarto.


Mas a história que vou contar não ouvi de ninguém, aconteceu comigo.

Quando eu era criança meus pais me levaram a uma pequena viagem. Fomos a um sítio de cultivo de rosas chamado Roselândia. Minha mãe queria comprar mudas enxertadas para plantar em seu jardim. Lembro-me bem de um japonês dando instruções de cultivo aos meus pais. Uma coisa que ficou bem viva na minha memória, foi a recomendação que ele fez sobre o ataque das Formigas Podadeiras. Ele disse: “tem que matá-las logo no inicio do inverno para proteger as roseiras”

O tempo passou e eu nunca mais me esqueci desse conselho do japonês. Fiquei na minha mente de criança com uma impressão negativa referente a elas, as formigas.

Quando eu e meu marido estávamos planejando nosso jardim aqui nesta casa onde moramos, eu também reservei um cantinho para minhas roseiras. A Roselândia agora é praticamente nossa vizinha, fica à poucos quilômetros daqui. Repetindo um ritual familiar, fomos até lá comprar minhas mudas. Outro japonês, provavelmente o filho do primeiro, fez a mesma recomendação sobre as formigas, na qual, eu segui à risca por vários anos: todo inicio de inverno eu assassinava as pobrezinhas.

Houve um dia, porém, que me perguntei o que aconteceria se eu não fizesse isso, ou seja, se poupasse as formigas. Visto que todos os anos eu as matava, e todos os anos elas voltam mais fortes e em maior número de indivíduos, eu pensei: isto é algo a ser investigado, e quem sabe, eu acabo descobrindo alguma coisa que ainda não sei.

Foi o que fiz: coloquei em risco a vida das minhas roseiras em troca do segredo das formigas.

Naquele inverno não coloquei veneno em seus ninhos e deixei que elas se fartassem até a última folha. De fato elas se banquetearam: não sobrou nenhuma folhinha para contar a história!

Confesso que fiquei um pouco triste ao ver minhas roseiras todas peladas, coitadinhas, mas tinha tomado uma decisão e não volto atrás em minhas decisões quando são bem pensadas e analisadas. Tinha pagado pra ver e agora só me restava esperar.

Quão grande foi a minha surpresa, quando mal chegou a primavera, elas brotaram verdinhas, com tanta força e rapidez como nunca tinha visto igual. E quando começaram a nascerem os botões, pensei que não fossem mais parar. Foi a maior e a mais bela florada até então!

Se algum de vocês possui roseiras em casa, façam esta experiência e constatarão que digo a verdade. Deixe as Formigas Podadeiras fazerem o trabalho de poda em seu lugar. Para isto é que elas foram criadas. Dou-lhes este conselho visto que não tenho a menor dúvida quanto a isto. Experimentei e posso aconselhar.

Eu não podo mais as minhas roseiras há anos, mas, o melhor proveito que eu tirei disso foi descobrir que podemos adquirir sabedoria e conhecimento onde, e com quem menos esperamos. E a verdadeira sabedoria, aquela que enriquece o espírito, nunca é demais.

Eu aprendi com as formigas. Aprendi porque me propus a questionar e a experimentar. Espero ainda aprender muito mais, e com isto, vou exercitando minha humildade e me conscientizando da minha pequenez diante da Majestosa Criação de Deus. E Ele retribui, em sua infinita bondade, me dotando de discernimento para não aceitar meias-respostas – sempre tão vazias.

2 de jul. de 2010

Mais respeito aos enlutados


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Este é um assunto muito chato a ser abordado, principalmente pra mim, que sempre ensinei aos meus filhos que não se deve ter preconceito.
Aliás, anda na moda isso, ultimamente: muito se fala do não-preconceito. Devemos aceitar a todos como são, igualmente e sem distinção, certo?

Médio.

Não falo em raça, condição social e cultural, nada disso: falo de comportamento.
Aquele comportamento, que mesmo não ensinado, aprendemos observando e ponderando entre o que é certo e o que é errado - sem que haja a necessidade de regras preestabelecidas. Afinal, não somos bichos, temos capacidade de raciocinio, só não aprende quem não quer. Informação há, em toda parte e em qualquer lugar.

Recentemente faleceu uma pessoa do nosso convívio, e obviamente, fomos à cerimônia de sepultamento.

Começo dizendo que sou totalmente contra velórios prolongados, esses de virar a noite. Não entendo por que estender uma coisa, que por si só, já é maçante; e, muitas vezes, constrangedora para os familiares. Eu, pelo menos, me senti assim: cons-tran-gida!

As pessoas não sabem se comportar diante de uma cerimônia desta natureza, esta que é a verdade. A maioria é do tipo “não quero nem saber quem morreu, eu quero é chorar!”. Isso passa longe de demonstrar sentimento, fica uma cena patética, teatral, e não convense niguém.
 
Mas é somente na hora que chega o corpo, porque depois, durante a madrugada, vão se formando rodinhas de pessoas contando piadas para espantar o sono.

Há ainda aqueles que se espremem para arrancar meia lágrima debruçados no caixão - mas, antes dão aquela espiadinha básica para se certificar que tem alguém olhando.

E sempre tem um, que lá pelas tantas, aparece com uma garrafa térmica e uma bandeja de salgadinhos, e aí, a coisa vira um piquenique.

E a maneira como se vestem, então? Ok, não precisam vestir preto da cabeça aos pés e óculos escuros como se estivessem prontos a fazer um bico de figurante na novela da Globo. Todo mundo têm uma roupinha limpinha, ajeitadinha no guarda-roupa, ou será que não? Se não tiverem, que peçam emprestada.

O que não devem fazer, é aparecer num velório de bermuda, camiseta e tênis como se tivessem se aprontado para uma caminhada no Ibirapuera. Teve um que chegou em cima da hora enfiado numa roupa de academia, dessas bem colada ao corpo: estava até meio suado, o infeliz, deve ter vindo correndo para não perder o pique.

Um outro estava fantasiado de vendedor: camisa branca, gravata e paletó jogado no ombro. Andava de lá para cá falando alto e incessantemente no celular. E quando desligou, levou as duas mãos à cabeça, num gesto flagrante de impaciência. Apostei que ele estava pensando: esse fdp tinha que morrer justo hoje que eu estava quase fechando essa venda!

E as mulheres?... Era um contraste que chegava a doer! Umas pareciam que tinham se vestido para irem ao shopping, com bijús enormes e maquiagem carregada. Outras, para um concerto de ópera - não esqueceram nem o leque, só faltou mesmo os binócolos.   
De contrapartida, teve algumas que nem se deram ao trabalho de calçar um sapato, foram de chinelinho mesmo. Fiquei imaginando que só tiraram o avental molhado no tanque de lavar roupas.

Mas nada disso foi pior do que a combinação bota-preta-cano-longo-salto-agulha-meia-arrastão-e-mini-saia!... affff, essa, sinceramente eu não aguentei!!!

Quando eu era criança, lembro-me que as pessoas tinham mais cuidado no vestir quando iam a um velório. Os homens sempre de terno com uma faixa preta em torno da manga esquerda do paletó, em sinal de luto. Meu pai me explicou que tinha que ser do lado esquerdo, pois é o lado do coração.
As mulheres se vestiam com capricho e discrição. Nem sempre se vestiam de preto, mas nunca, em hipótese alguma, vestiam roupas coloridas e espalhafatosas. Maquiagem carregada, nem pensar!

Eu pergunto: o que aconteceu com esses valores?

Comentei isto discretamente com uma pessoa presente. Então ela me disse: “mas ele já morreu mesmo, não está vendo nada”

Brrrrrrrrrr óbvio que não me referia ao morto, e sim, aos familiares enlutados que merecem respeito.

No entanto, a resposta dela me fez concluir, pasmadíssima, que noventa por cento das pessoas que ali estavam eram justamente da família. Lamentável...