“O sonho encheu a noite. Extravasou pro meu dia. Encheu minha vida e é dele que eu vou viver. Porque sonho não morre” (Adélia Prado)

30 de jan. de 2013

SANTA MARIA – Tragédia predestinada?




No domingo passado eu acordei especialmente feliz. Algo delicioso aconteceria naquela tarde após o almoço.

Os domingos na minha casa são sempre muito alegres, pois é dia de reunirmos os filhos, nora, genros e netos. Enquanto eu e meu marido preparamos o almoço eu sempre abro um vinhozinho para o 'esquenta'. Coloco uma música, a conversa rola solta, os risos ecoam alto pela casa... Tudo bem barulhento como bons descendentes de italianos que somos.

Logo todos começariam a chegar, menos a minha filha caçula e o noivo que estão em férias nos Estados Unidos. Eles tinham trocado alianças de noivado no sábado em Las Vegas, numa festa surpresa preparada pelo namorado. À noite voariam para Nova York. Tínhamos preparado uma surpresa para eles: iríamos chamá-los pela webcam,  e todos nós juntos festejaríamos o noivado deles. Eu havia comprado dias antes, vuvuzelas, confete, língua de sogra e tiaras engraçadas para todos.  Ao lembrar-me disso deixei escapar um sorriso imaginado como seria engraçado...

Foi então que meu marido ligou a TV. Tudo de repente ficou pequeno, insignificante. Minha alegria, sem sentido, deslocada, imprópria, fútil, sei lá... Meu sorriso morreu, meus olhos se fecharam involuntariamente numa profunda tristeza. Senti vontade de fechar todas as janelas que tinha acabado de abrir. Pensei nos familiares, em especial nas mães que chorariam pelos seus filhos mortos sabe Deus por quanto tempo...

Num impulso saí da frente da TV e fui ligar para minha filha que está distante de mim. Falei da nevasca em Nova York, do surto de gripe entre os brasileiros e outras coisas. Fiz mil e uma recomendações. Ela me perguntou por que estava repetindo as mesmas coisas que já havia dito no dia anterior. Respondi simplesmente que coisas ruins podem ser evitadas, mas não disse nada sobre a tragédia. Mais tarde quando voltamos a falar pela webcam, ela me disse: “você me disse aquelas coisas por causa do que aconteceu na boate em Santa Maria, não foi?”... A notícia já havia se espalhado pelo mundo todo.

O resto do domingo seguiu silencioso, sem música, sem festa ou comemorações. Havia sol, mas nossos corações estavam nublados. À noite entrei no Facebook e vi inúmeras mensagens de solidariedade aos familiares das vítimas. Algumas me comoveram, muitas me causaram espanto.

Quem em plena consciência escreve uma frase do tipo “Chegou a hora deles”?... Quem pode escrever numa rede social a frase “Deus quis assim, chamou-os por que precisava deles no céu”?...  Com que ‘autoridade’ atribuem a Deus tamanha culpa?... Com que respaldo?

O pior é que não eram publicações bobinhas de adolescentes, eram frases escritas por pessoas intelectualizadas, que fazem questão de mostrar constantemente o quanto são inteligentes.  


Bem, se chegou a hora daqueles jovens, presumo que não há culpados pela tragédia. Além de Deus, naturalmente, que os predestinou à triste morte prematura. Nesse caso, a tragédia jamais poderia  ter sido evitada. De nada adiantaria o poder público não ser tão negligente na fiscalização das normas de segurança em casas de shows. De nada adiantaria o alvará da boate estar atualizado. De nada adiantaria a banda não ter feito uma apresentação pirotécnica num lugar fechado com mais de mil pessoas debaixo de um teto de espuma... De nada adiantaria aqueles jovens não terem ido para a balada naquela noite, pois a morte os caçaria onde quer que estivessem...

De nada adianta, portanto, as leis de trânsito e a recente lei seca. Pura perda de tempo, segundo essas pessoas. Nunca atinaram que nos países onde se obedecem mais as leis de trânsito, o índice de mortalidade em acidentes automobilísticos é menor.  

Cabe, então, aos que acreditam que a tragédia de Santa Maria não estava predestinada, exigir providencias das autoridades e punição para os culpados. Os outros que cruzem os braços em suas cegueiras.

E se quisermos escrever mensagens de consolo aos familiares daqueles jovens, façamos direito. Podemos, por exemplo, começar com uma frase dita por um sábio há milhares de anos: “O tempo e o IMPREVISTO sobrevém a todos”.

Sim. Somos vítimas do imprevisto, aquilo que não somos capazes de prever. Mas que na maioria das vezes, pode ser evitado.

23 de jan. de 2013

Trizes





Ah, eu estou farta dos meus quases!

Quase fui,
Quase fiquei,
Quase vivi,
Quase não sei.

Quase não é nada!
É desejo reprimido.

Não tem fundo,
Nem começo,
É água rasa
Do pranto arrependido.

Quase é dia
De dar adeus à noite,
Que aposenta os sonhos
Longe do lençol.

Quase é madrugada fora do eixo.
Abortada.
Sem sintonia
Com o nascer do sol.

Quase é hora errante.
Sem domicilio dentro do tempo
Do envelhecer
Repentinamente.

Quase é um livro aberto
Que escapa das mãos.
E, sem romance,
Adormecido
Encontra o chão.

Quase é inventário
Das saudades acumuladas,
De verdades inventadas,
Um padecer em vão.

Quase é atitude tetraplégica
Que não vingou.

É dor estéril 
Sem sementes para o plantio.

Quase é boca que adivinha o beijo
Que nunca existiu...



-sueli gallacci