“O sonho encheu a noite. Extravasou pro meu dia. Encheu minha vida e é dele que eu vou viver. Porque sonho não morre” (Adélia Prado)

16 de mar. de 2012

Tudo tem limite nessa vida...



Quando coloquei o título desse blog de Crônicas e Agudas foi propositadamente: eu sabia que, eventualmente, teria que postar aqui coisas entaladas na minha garganta.

Nesses dias andei me questionando até onde eu posso ir com minha liberdade de expressão sem constranger os meus amigos. Cheguei a conclusão que apesar de eu ter esse direito assegurado pela Constituição, quando se trata dos meus amigos eu prefiro a frase do Apóstolo Paulo que diz: “Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém”.

Quando Paulo escreveu essa frase na sua primeira carta endereçada aos cristãos de Corinto, ele falava de comportamento.

Considero esse um bom conselho que pode ser aplicado na minha vida diária, principalmente em meus relacionamentos na internet. Fazer pleno uso dos meus direitos pode vir a causar certo mal-estar nas pessoas. Expor as minhas ideias, sim, mas com o devido respeito que todos merecem.

Expor nossas ideias, levantar bandeiras, pleitear uma causa, tudo bem, é nobre, mas o que vem ocorrendo nas redes sociais é uma verdadeira avalanche de tentativas de lavagem cerebral!... Pessoas se apegando a um tema compulsivamente e publicando-o, incessantemente, a todo o momento, sempre batendo na mesma tecla, ten!ten!ten!...

É assim mesmo, com todo esse exagero!... Abrimos nossa página e nos deparamos com aquela sequência infinita de informações repetitivas, entediantes...

E o que era para ser eficiente, passa a ser enjoativo como um doce com muito açúcar que ninguém aguenta mais do que duas colheradas! Sim, porque tudo que é demais enjoa e surte efeito contrário.

Já disse e repito em letras garrafais que APROVO TODA E QUALQUER CAUSA SOCIAL – e não é isso que me incomoda. Incomoda-me o fato de me deparar todo santo dia com fotos chocantes de animais estropiados, cadáveres de bebês comidos de formigas, acidentes automobilísticos com vítimas despedaçadas...

Há tantas coisas interessantes para compartilhar com os amigos: um show legal que a gente descobriu, um evento cultural, uma noticia de primeira mão, os banners engraçados que todos curtem... Será que não dá para diversificar, intercalar as desgraças do mundo com coisas prazerosas?

Acho uma tremenda sacanagem bloquear amigos, mas não tive alternativas para preservar minha sanidade mental.

A última foto que vi foi de um lindo cavalo amarrado numa posição torturante! Havia uma legenda explicando que é daquela maneira que eles são treinados para o hipismo. Eu já nem sei mais no que acreditar, torço para que seja mentira, apenas mais uma de algum fanático paranoico.

Facebookianos, na boa, essas imagens não muda a consciência de ninguém! A prova disso são aquelas fotos grosseiramente montadas no verso dos maços de cigarros.

Eu tenho todos os motivos do mundo para estar engajada nas causas de crianças abandonadas e doações de órgãos – e estou. Estou envolvida até a raiz do cabelo, mas aqui fora, na minha vida real. Eventualmente, m u i t o   e v e n t u a l m e n t e, eu publico um bannerzinho bem discreto sobre as minhas causas. Os amigos leem, curtem, comentam, e pronto, ACABOU! Não pretendo incomodar meus amigos com minhas ideias, que, afinal, são minhas.

- Ahhhhh, mas a internet tem força, derruba até governos! – dirão alguns.

Helôuuuuuu, amiguinho! Estou falando de rede social, um troço que foi inventado primariamente para se fazer amigos, e esse teria que ser nosso principal objetivo, e não adicioná-los para depois afastá-los com nossas chatices. Queremos que nossos amigos se emocionem e se divirtam com nossas publicações ou queremos incomodá-los?

Tenho na minha lista de amigos pessoas sérias que estão fazendo um trabalho lindo, equilibrado, em prol de causas sociais. Quando o meu coração pede, eu colaboro: com dinheiro, money, grana, que é o que interessa. Com Blábláblá nunca se conseguiu nada!

Gostaria de saber se essas pessoas que tanto cobram atitudes dos outros estão fazendo algo prático ou é só gogó.

Não pensem que estou escrevendo esse texto como indireta para uma pessoa específica, porque não estou!... Refiro-me a muitas pessoas, pois está havendo uma verdadeira epidemia de comportamentos dessa natureza no Facebook, e só resolvi tocar nesse assunto mais uma vez por ser a pauta do momento.

Não mando indiretas, é lá que eles mandam, e acabam ofendendo todos até a quinta geração! Eu já vesti carapuças suficientes para passar o resto dos meus dias no Polo Norte!... Estou muito confusa, já não sei se eu posso matar os pernilongos da minha casa sem crise de consciência. Não sei se posso matar uma barata, ou armar uma ratoeira, afinal, esses bichinhos também são seres vivos... ou não?

No meu modesto entender, todo excesso pode levar ao radicalismo, e ele é burro e muito perigoso, pois bloqueia o raciocínio lógico. Veja por exemplo o pensar dos vegetarianos: eles não conseguem diferenciar o abate de um animal de forma correta sem sofrimento, da tortura e do matar por matar.

Também não sei se há tanto radicalismo assim, afinal, vegetarianos já postaram receitas de bolo. Vou lá verificar se leva leite e ovos... Será que eles não pensaram na vaca, pobrezinha, naquele espaço minúsculo, com aquela máquina sugando-lhes as tetas?... E a galinha, coitadinha! Deve ser um sofrimento medonho botar ovos...

Será que eles não tem em casa cintos, bolsas e sapatos de couro?
Santa hipocrisia!

7 de mar. de 2012

O RETRATO DO ABANDONO



Há poucos dias, me procurou uma jornalista que foi incumbida de escrever uma matéria para uma revista sobre o tema "Adotar crianças ou animais?”.

Ela havia lido na internet um depoimento meu que tratava justamente dessa questão e me convidou a participar da matéria. Disse que eu tinha o perfil perfeito da pessoa que ela procurava.

Transcrevo abaixo o texto que escrevi e mandei pra ela. Procurei ser o mais honesta possível nas minhas declarações, embora saiba que não agradarei a todos. Mas essa sou eu: uma pessoa sem medo de dizer o que pensa.


ADOTAR UMA CRIANÇA OU UM ANIMAL?

- Sueli Gallacci


Sinceramente penso que essa questão nem deveria ser levantada, afinal são duas coisas totalmente diferentes. Tanto que a palavra ‘adoção’ era antigamente aplicada exclusivamente quando nos referíamos à humanos. Quando queríamos um bichinho de estimação dizíamos que iríamos comprar, ou arrumar um cachorro, um gato, etc.

Eu, como cristã, sei diferenciar entre esses dois seres, mas também sei que no amor, no respeito em nada diferem. O diferencial está na dedicação e nas responsabilidades envolvidas.

Adotar uma criança implica em muito mais, não basta dar ração, banho, carinho... Seres humanos carecem de um tipo de educação que forme o caráter, que aprenda valores, que respeite o planeta, o próximo, e por ai vai... É grande a lista.

Humanos tem o dom da fala e filho cobra, questiona. Desnecessário dizer que com os bichos não é assim. Mas é exatamente por isso que devemos protegê-los; devemos falar por eles.

Além do mais, filho vive mais tempo e é pra toda vida e mais um pouco. E quando esse filho faz um filho ainda na adolescência? Será que o levaremos ao pet-shopping para ser adotado?

Não me agrada a ideia de parecer exemplo a ninguém, afinal cada um é cada um – com seus anseios e limitações. Dou graças à Deus que temos nosso livre arbítrio, esse dom maravilhoso que nos permite fazer escolhas. Contudo, penso que quem tem amor pra dar não precisa passar por essa ‘escolha’, que no final das contas nem existe. É possível fazer as duas coisas perfeitamente bem. Eu fiz e não me arrependo. Tenho uma filha adotiva que hoje está com 25 anos. Uma moça linda cheia de virtudes que nos enche de orgulho. E tenho muitos bichos de estimação que eu chamo de ‘minha família animal’. Tenho verdadeira paixão por eles! Eu e meu marido sempre gostamos de animais e nossos filhos aprenderam a amá-los e respeitá-los. Tanto que moramos DENTRO de uma área ambientalista de proteção animal.

Quanto à adoção da minha filha, eu e meu marido a conhecemos num hospital gravemente doente. Tinha seis meses de idade e fora abandonada pela mãe biológica.

Decidimos adotá-la, não por que não podíamos ter filhos, pois já tínhamos um casal na pré-adolescência, mas porque ela adentrou nas nossas vidas de maneira irreversível desde o primeiro momento que a vimos. Isso para nós foi um processo natural, apesar de não estarmos procurando uma criança para adotar. Por um tempo fiquei me enganando, dizendo a mim mesma que a adotamos porque aquela menininha, tão frágil e rejeitada, precisava de uma família completa, com pai, mãe e irmãos. Mas eu estava enganada. Logo descobri que nós é que não podíamos mais viver sem ela!

O tempo passou e de lá pra cá muitas coisas aconteceram. Nossa batalha foi grande e muito penosa, tanto pra nós quanto pra ela. Ela passou por oito intervenções cirúrgicas e dezenas de internações. Ainda hoje aguarda por um transplante de rim no Hospital das Clínicas de São Paulo. Atravessamos momentos difíceis e o pior de todos foi a recusa da mãe biológica em doar um rim pra ela. Mas nem por isso ela se transformou numa pessoa amarga, ao contrário, é alegre, cheia de vida e nunca foi uma criança problemática. Nós não medimos esforços em prepará-la para tudo que teria que enfrentar.

Valeu à pena? Evidente que sim! Hoje ela está formada e já cursa a segunda faculdade. Nunca reprovou nenhum ano no colégio apesar das inúmeras faltas por causa do tratamento. Tantas alegrias tivemos, tanto orgulho sentimos dessa filha tão amada que é impossível falar nisso sem me emocionar.
 
Sou totalmente a favor da adoção de qualquer ser, seja de qualquer espécie. Só acho que devemos prestar mais atenção na falta de coerência. Vejo no meu Facebook páginas e mais páginas direcionadas à campanhas para recolher os animais abandonados nas ruas e encaminhá-los para adoção. Já vi uma pessoa mobilizar outras cem apenas para resgatar um cão! Isso me comoveu e me intrigou ao mesmo tempo. Ainda não vi tal mobilização para ‘resgatar’ uma criança que está na rua consumindo drogas. Ainda não vi nenhuma campanha em prol da adoção de crianças doentes, feínhas e com mais idade; e acho que nunca verei. Nunca vi, por exemplo, uma campanha para tentar conscientizar os casais que não podem ter filhos a optarem pela adoção e não pela inseminação artificial.

Agora, casais que não podem ter filhos optarem pela adoção de um, ou vários bichos de estimação ao invés de uma criança, já vi aos montes! E casais que podem ter filhos, mas não os têm para encherem a casa de bichinhos, também. Quanto a isso chego a sentir certo alívio, pois sei que essas pessoas não estão preparadas para serem pais. Não querem doarem-se com tamanho grau de envolvimento; não querem compromissos. Então, é melhor que seja assim pelo próprio bem da criança.

Contudo, não posso evitar pensar que crianças estão sendo barganhadas por cachorros!

Às pessoas engajadas na causa de proteção animal, digo que as admiro muito. Somente gostaria de ver a mesma disposição, do mesmo envolvimento, tempo e dinheiro gastos para conscientizar a sociedade da necessidade de mais adoções de crianças.

É claro que ninguém deve sair por aí dizendo ‘hoje eu decidi que vou adotar uma criança’. Deve ser uma atitude bem analisada e discutida em família. Aí está a diferença entre bicho e gente: raciocinamos, não somos regidos por instinto.

Eu só gostaria que as pessoas se importassem, não fossem tão omissas com nossas crianças. Também gostaria que as pessoas que pagam as tufas em dólares por um cãozinho, não virasse a cara quando passasse diante de uma cão faminto e sarnento.

Mas cada um é cada um, o que é bom pra mim pode não ser para o outro. Não podemos obrigar as pessoas a ter um coração elástico. Eu faço o que faço por que o meu grita alto.