
Existem pessoas que bastam ir uma só vez a um lugar e decoram o caminho. Não é o meu caso. Sou muito distraída, tenho que ir no mínimo umas três vezes. É por esse motivo que sempre mantive no meu carro o bom e velho Guia 4 Rodas.
Nunca gostei de GPS e nunca quis ter um. Detesto aquela voz irritante me indicando o caminho, fico com aquela sensação de que estou com uma palpiteira ao meu lado expondo toda a minha burrice. Prefiro fazer meu trajeto ouvindo uma musiquinha e, quando me perco, paro, consulto o Guia, ou apelo para o “quem tem boca vai à Roma”.
Bem que alguém poderia inventar um GPS especialmente para mulheres, com uma voz masculina, grave, aveludada, sensual... Que falasse bem devagar e repetisse quantas vezes fossem necessárias. E que não se esquecesse de elogiar quando a gente fizesse tudo direitinho “h ó o o o o, mas que mulher inteligente!”
Mas eu sou uma mulher moderna, certo? Tenho que me atualizar, e além do mais, tenho várias amigas que tem GPS e eu não podia ficar por baixo.
Foi por isso que decidi experimentar a coisa. Pedi emprestado o do meu marido e escolhi um lugar aqui mesmo na minha cidade para a minha estreia. Quando estivesse craque me aventuraria ir à São Paulo.
Minutos antes de sair, programei o negócio do jeito que meu marido me ensinou e lá fui eu, crente que na volta ligaria para uma amiga e daria aquela esnobada básica. Tinha até ensaiado umas falas.
Entrei no carro e mal saí da garagem “ela” já lascou a primeira frase: a-trinta-metros-vire-a-direita.
Dobre-ligeiramente-a-esquerda.
Mantenha-se-a-direita.
Ok, eu começava a ficar irritada, mas tudo que fiz foi pensar dá um tempo, sei bem sair do meu condomínio!
Logo de cara percebi que ela estava me levando direto para o pedágio, mas eu tenho meus macetes, conhecia bem aquele trecho e segui por um caminho alternativo ignorando seu falatório. Vai vendo como sou mais esperta que você...
Até parece que ela adivinhou meus pensamentos, pois foi só eu colocar os pneus numa estradinha totalmente deserta e desconhecida, ela apagou, ficou muda. MU-DI-NHA! Justamente quando eu mais precisava dela!
E agora?... finjo que não entendi a vingança e sigo meu caminho, ou volto pra casa com uma desculpa esfarrapada?
Quando a estradinha acabou e estava prestes a entrar na cidade, decidi dar à ela mais uma chance... tá, confesso, pedir à ela mais uma chance. Estacionei o carro num acostamento perigosíssimo e reprogramei tudo novamente.
Foi aí que começou o meu calvário.
Devo ter feito algo muito grave, pois ela endoidou de vez! Disparou a falar, mas não dizia coisa com coisa e continuava apagada.
Sempre tive dificuldade com esse negócio de esquerda/direita, levo alguns segundos para assimilar. “O lado direito é o lado da mão que você escreve” – dizia minha mãe quando eu era criança. Brrrrrrrr, não dá para escrever no trânsito, né, mãnhêeeeeeeee!!!
Não sei como aquilo aconteceu, mas de repente me vi em outra estradinha deserta. Eu estava completamente perdida. PER-DI-DI-NHA DA SILVA!!! E aqueles apitos do “você errou dinovo” me deixavam doida! Recalculando-a-rota... recalculando-a-rota... Acho que nuca mais eu vou esquecer essa frase.
A essa altura eu não pensava desaforos, estava falando em voz alta “O quê? Como? Não entendi. Repete sua vadia! Repete!"
Vire-a-direita... e PA! invadi uma área militar!
Tão rápido como um relâmpago apareceram três soltados apontando seus fuzis direto pra minha cabeça!
Instintivamente fui escorregando no banco para me safar dos tiros. O que veio depois foi a parte mais hilária de todo esse episódio.
Como não ouve tiros, fui levantando bem devagar, e, repentinamente, levei as duas mãos para o alto (daquele jeito mesmo como fazem os bandidos quando são surpreendidos pela polícia). Comecei a gesticular com as mãos tipo ó, ó, vou tirar o cinto... ó, ó, vou sair do carro... ok? ok? – Tudo com as mãos lá no alto.
Enquanto fazia mímicas, imaginei meu marido gastando as tufas com o advogado para me soltar da prisão do quartel... e meus filhos assistindo a reportagem no Jornal Nacional “.... ela diz que a culpa foi do GPS, mas a Segurança Nacional vai investigar o caso...”
Afastei imediatamente aqueles pensamentos, não era hora para pensar nisso, era hora de pensar numa boa desculpa para aquela invasão.
Mas será mesmo que eu precisava gastar minha criatividade pra elaborar uma explicação convincente?... Será que eles não estavam vendo que se tratava de uma senhora perdida? (nessas horas é um alivio ser uma senhora, né...).
Desci do carro e me preparava para abrir a boca quando ela disse: recalculando-a-rota...
Estão ouvindo? - disse eu. A culpa é DELA!