“O sonho encheu a noite. Extravasou pro meu dia. Encheu minha vida e é dele que eu vou viver. Porque sonho não morre” (Adélia Prado)

18 de jul. de 2012

VAZIO


Ando assim, assim...
Ando nada!

Ando mais num tempo
De deixar o vento chicotear meus cabelos,
Embaralhar pensamentos
De tudo que ficou pela superfície
Como uma biografia esparsa...

Ando.
Na rua,
No mundo
Da lua.
Pulando fases
Na face oculta.

Como te contar que colhi espinhos
Porque não vi as rosas?
Que a poeira estrelar que agora vejo
É senão o baço espelho dos meus olhos?

Quero abstrair-me de dores desnecessárias
Que a memória armazenou.
E, então, buscar-te nos traços do acaso
Que o delírio rabiscou...

Onde te procurar?

Na mão que nunca alcança
A flor que não abriu?

Meu sentir se foi
Nas folhas outonais que não notei,
Na música que não cantei,
Na dança que não rodopiei,
No sabor que não provei.

Nos momentos que não vivi 
À flor da pele,
Me perdi:

Pois, onde é um lugar que não existe
E, sem você
Meu caminhar é tão triste...

...

Perder-se a si mesmo é ato consentido
Aos que criam,
Vivem de sonhos e fantasiam.

E depois,
Dançam com a sorte...

Voltar é um ato consagrado
Por passos incertos, pessimistas.
Mas, não demora
O coração festeja como passista!

Veja como ando
Na contramão da poesia
Esbarrando em versos trôpegos,
Rimas desafinadas,
Em preto e branco,
Multifacetadas.

Estranho, isso.
Com tantas cores lá fora...

- sueli gallacci

2 de jul. de 2012

O OUTRO


- Sueli Gallacci

Ele estava impaciente no saguão do hotel. Quase nove da manhã e Laura ainda não havia descido para o café. Desse jeito chegariam atrasados – pensava ele.  Talvez devesse subir e verificar o que estava acontecendo... Ela poderia ter adoecido, afinal vinha trabalhando tanto no novo projeto. E as constantes viagens que fazia sozinha à Munique, o fuso horário, as intermináveis reuniões, tudo era demais pra ela. Ele se dava conta, agora, do quanto andava abatida nos últimos dias. Mas, de agora em diante tudo seria diferente. Ele havia convencido-a que viajariam juntos sempre que fosse necessário. Nada mais natural, afinal, se tornaram mais do que parceiros profissional: eram amigos de verdade, quase irmãos.

Um sorriso triste pegou-lhe de assalto, mas, por qual razão se ele não estava triste? Estava vivendo os melhores dias da sua vida ao lado daquela mulher que lhe parecia saída de um romance em quadrinhos. Se não fosse pelo pai ter-lhe obrigado a trabalhar para custear seus estudos, possivelmente nem a teria conhecido. Era fato que Laura representava tudo que ele  não era e desejava ser:  era mais velha, mais alta, mais bela, mais inteligente e mais corajosa do que ele. Entretanto, e pela primeira vez, não sentia a costumeira rejeição. Ela tinha esse poder de fazê-lo sentir-se como um gigante prestes a conquistar o mundo num estalar de dedos!

De repente, o dia lhe pareceu tão lindo que ele endireitou o sorriso e tomou o rumo do elevador.                     

Girou a maçaneta devagar e constatou que a porta não estava trancada. Hesitou por um momento, não devia entrar sem bater, mas era tarde: estava à meio corpo dentro do quarto em penumbra. Laura estava na cama na mais encantadora visão que seus olhos já viram. O corpo, meio coberto, meio desnudo pelo lençol, revelava as pernas e o colo alvos como a luz da manhã. Pelo fino tecido, ele desvendou-lhe os contornos dos seios, as delineadas curvas dos quadris. Os cabelos espalhados pelo travesseiro, as mãos soltas ao acaso, e no rosto, ainda que adormecida, uma confissão inerente de felicidade. Era pura sensualidade. Ele se pôs a pensar por quais sonhos estaria ela andando para deixá-la assim,  extraordinariamente bela!

Era uma incógnita aquela mulher. Ainda ontem estava triste, frágil como uma criança amedrontada. E agora, dormia serena como se o mundo todo tivesse parado, aguardando seu despertar. Comparava-a a uma gema de diamante lapidado com suas múltiplas facetas, que ora brilha, ora ofusca, mas combinadas, fascina e encanta qualquer admirador.
                    
Desviou os olhos dela para olhar o quarto. O negro casaco que ela usara no dia anterior descansava displicente numa poltrona no extremo oposto; por cima dele, um vestido vermelho que lhe pareceu pequeno demais para vesti-la. Estranhou não conhecer aquele vestido. A camisola branca de cetim e suas peças íntimas trilhavam um caminho da porta até à cama. Sentiu o pulsar da excitação ao imaginá-la totalmente nua. 
Pé-ante-pé, avançou para o interior do quarto e apanhou as peças ao chão. Levou ao rosto numa ânsia louca de subtrair delas o cheiro íntimo da mulher, que nesse momento descobriu amar.

Laura revirou-se na cama e ele deixou o quarto assustado e ofegante. Fechou cuidadosamente a porta atrás de si. Aguardou por alguns minutos no corredor, antes de bater.

- Leo, é você meu amor?

O coração dele começou a tamborilar nesse exato momento. Meu amor. Quão doces eram aquelas palavras! Ele pensou estar delirando e o tênue sorriso por um triz não desapareceu dos seus lábios.

- Leopoldo, você voltou...

Meu nome é Leonardo – pensou ele amargurado.